sexta-feira, agosto 20, 2004
Cidade do Porto
Palmeiras inclinadas. Ao longe o casario. É na água que o vejo, que sinto a cidade acordar.
Mais uma mulher que olha o rio. Tenho as mãos desatadas, os pés a caminho. As margens alargam quando estou perto, mas do outro lado as mulheres não reflectem o rosto ou mesmo a sua ausência.
São matéria do verbo fazer e caminham junto ao chão, na curva da noite para o marido. Gastos os sonhos por usar. Descorado pano que ficou ao sol. Nelas a cidade não acorda, não regressam os barcos à tardinha.
Vêm pela beira dos caminhos, a tristeza amável, a raiva cega e às vezes um sorriso que sacode os ombros porque até a tristeza tem um custo, uma esperança na sola do sapato. Vejo-as todos os dias e é como se a vida me atasse os pés, me anelasse os dedos. Como eu, outras mulheres olhando o rio, desbordando o pano, descozendo a sopa. Ama-se o homem que vira a esquina connosco e sabe que não podemos fingir que a ferida está fechada. As casas acendem.
E na água que vejo a sua luz descendo o rio. As mulheres passam em silêncio para as casas, atravessam a pele — deixam um retrato puído nas entranhas. Olho o rio e não sei fingir que finjo tanto mar.
Rosa Alice Branco
zulu, invicto, volta para a semana à Mouraria.