sexta-feira, maio 14, 2004
Poema para
Houve uma vez. Criou o zero.
Num certo incauto país. À luz da estrela
já porventura extinta. Entre as datas
nas quais alguém jurou. Sem um nome ,
polémico que fosse. Não deixando
abaixo do seu zero uma ideia simples e dourada
sobre a vida , que é aquilo que é. A lenda ao menos
de ter um dia acrescentado um zero à rosa
que colheu e feito um ramalhete.
De que , estando a morrer , partiu para o deserto
num camelo de cem bossas. De ter adormecido
à sombra das palmas da vitória. De que acordará
quando estiver já tudo contado
até ao mais pequeno grão de areia. Que homem este!
Interstício entre facto e pensamento
passou despercebido. Refractário
e todos os destinos. Repelindo
uma silhueta que lhe dou.
Sobre ele se adensou um silêncio sem cicatriz na voz.
Transfigurou-se a ausência em horizonte.
O zero escreve-se sozinho.
Wislawa Szymborska